Black Mirror é uma série britânica da Netflix que se tornou referência cultural ao explorar futuros próximos onde a tecnologia amplifica os piores impulsos humanos. Cada episódio funciona como um conto de advertência: dispositivos que gravam memórias, redes sociais que determinam seu valor social, companheiros artificiais que substituem conexões reais.
O perturbador é que, em 2025, esses cenários deixaram de ser ficção.
Uma nova geração de dispositivos vestíveis chegou ao mercado com propostas que poderiam facilmente ser pitches de episódios da série: pingentes que escutam todas as suas conversas, pendentes que fingem ser seus amigos, gravadores que prometem nunca mais deixar você esquecer nada. O que Charlie Brooker imaginou como distopia, startups do Vale do Silício estão vendendo como conveniência.
Abaixo, um catálogo dos dispositivos que estão redefinindo os limites entre intimidade e algoritmo.
Bee — O Confidente que Nunca Esquece
US$ 49,99 + assinatura mensal de US$ 19
Pequeno o suficiente para ser esquecido, poderoso o suficiente para lembrar de tudo. O Bee é um pingente que pode ser preso à roupa ou usado como pulseira. Sua função? Gravar absolutamente tudo que você diz e ouve.
O dispositivo aprende suas rotinas, seus hábitos, suas preferências e gentilmente cria lembretes para você. Existe um botão de mudo, para aqueles raros momentos em que você ainda acredita merecer privacidade.
A Amazon adquiriu a startup em julho. Coincidência ou não, a empresa que já sabe o que você compra agora também saberá o que você pensa.
Friend — O Amigo Que Você Não Pediu, Mas Que Nunca Te Abandona
US$ 129
Um pingente branco que paira sobre seu peito como um amuleto pós-moderno. O Friend não é uma ferramenta de produtividade. É um companheiro emocional.
Ele reconhece seu tom de voz, interpreta seu humor e responde como se fosse um amigo — aquele tipo de amigo que nunca dorme, nunca se distrai e está sempre, sempre, ouvindo. Antes de uma entrevista de emprego? Ele te deseja boa sorte. Depois de uma discussão? Ele está lá para você.
Em Nova York, anúncios do Friend foram vandalizados no metrô. Alguém escreveu: “Capitalismo de vigilância”. Mas talvez seja apenas inveja de quem ainda não tem um amigo que cabe no bolso.
Limitless — A Memória Perfeita Que Você Nunca Teve
US$ 99 + plano opcional de US$ 29/mês
Antigamente chamado Rewind — um nome apropriado para quem quer rebobinar a própria vida.
O Limitless grava continuamente suas reuniões, ligações e conversas, transformando-as em transcrições pesquisáveis e resumos inteligentes. Ideal para profissionais que precisam lembrar de tudo. Ou para qualquer um que tenha desistido de confiar na própria memória.
O dispositivo funciona com consentimento, é claro. Basta que todos ao redor concordem em ser eternamente arquivados.
Omi — O Conselheiro Que Conhece Seus Segredos
US$ 89
O Omi responde perguntas, resume conversas, cria listas de tarefas e agenda reuniões. Mas seu diferencial está em outro lugar: ele escuta constantemente e alimenta tudo no ChatGPT, construindo um perfil cada vez mais detalhado de quem você é.
Pode ser usado como colar. Mas também pode ser colado na lateral da sua cabeça com fita médica — para aqueles que preferem literalmente fundir a máquina ao corpo.
Plaud NotePin — O Escriba Invisível
US$ 159 + plano Pro de US$ 8,33/mês
Um gravador de voz minimalista que pode ser preso ao pulso ou magneticamente à roupa. Transcreve e resume automaticamente tudo que você diz.
Ideal para advogados, jornalistas e estudantes. Ou para qualquer pessoa que queira terceirizar a própria atenção.
A versão Pro, o Plaud Note Pro (US$ 179), promete ser ainda mais fina — porque quanto menos visível, mais fácil esquecer que ele está lá.
Rabbit R1 — O Portal de Bolso
US$ 199
Um dispositivo portátil com design retrô, tela sensível ao toque e câmera rotativa. O Rabbit R1 promete executar tarefas que antes exigiam seu celular: reservar voos, pedir comida, controlar aplicativos.
Após uma atualização crucial que corrigiu problemas de lançamento, o dispositivo agora permite criar suas próprias ferramentas e até jogos através do recurso Creations.
A pergunta que fica: quando delegamos nossas ações a uma IA de bolso, o que sobra para nós mesmos?
Esses dispositivos não são vilões. São espelhos.
Eles refletem um mundo onde a solidão virou epidemia e a atenção virou commodity. Onde preferimos algoritmos que nos entendem a pessoas que nos desafiam. Onde a memória perfeita é mais valiosa que o esquecimento necessário.
Em Black Mirror, a tecnologia sempre revela algo sobre nós mesmos. Esses gadgets não são diferentes.
A única pergunta que resta é: quando você olha para o seu novo companheiro de IA, o que ele está vendo de volta?
